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A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS DA ROCINHA

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A cidade do Rio de Janeiro tornou-se mundialmente conhecida como “cidade maravilhosa” a partir dos anos 1940, quando uma música carnavalesca foi lançada com esta frase em seu refrão. A “terra que a todos seduz”, referida na música, era uma cidade que considerava as praias e montanhas tanto quanto a vida urbana, com as pessoas circulando a pé e por bondes e as atividades comerciais concentradas nas principais áreas, constituindo um ambiente propício ao encontro e ao convívio social. A vitalidade das ruas cariocas era o charme da capital brasileira.

Na década de 1960, os rumos da cidade mudaram. A construção da nova capital do país em Brasília, resultou em perda de empregos e receita pública no Rio de Janeiro. No mesmo período, a expansão urbana para a região leste do município foi implementada, baseada no plano urbanístico modernista de Lúcio Costa. Os investimentos públicos foram alocados para a construção desse novo Rio de Janeiro, contribuindo para o declínio das partes mais antigas da cidade.

O modelo de cidade orientada para os carros, estruturada por condomínios residenciais e centros comerciais, tornou-se hegemônico na zona de expansão. As ruas não foram apropriadas pelos pedestres e se configuraram como objetos de observação de carros e ônibus lotados. A crescente violência e o medo contribuíram para a degradação da rua como espaço social. Este modelo urbanístico de áreas monofuncionais e mobilidade baseada em carros ainda pode ser percebido no recente programa de habitação social, que levou à construção de 65.000 novas moradias populares no Rio de Janeiro desde 2009. Condomínios de 500 unidades habitacionais foram erguidos em áreas isoladas, distantes tanto do dos centros dos bairros quanto do centro da cidade.

Enquanto a vida nas ruas da cidade planejada esteve perdendo vitalidade, as vias da Rocinha caminharam em direção oposta.

ROCINHA

Com sua ocupação iniciada em 1929, a Rocinha é uma das maiores e mais conhecidas favelas do Brasil e da América Latina. Por meio de ocupações informais para moradia de famílias de baixa renda, a classe trabalhadora rapidamente transformou a antiga área rural em um núcleo urbano denso, implantado em colinas íngremes. Hoje, mais de 100.000 habitantes formam uma cidade dentro da cidade do Rio. A subdivisão dos grandes terrenos definidos pelo loteamento original em microlotes originou um emaranhado de poucas estradas e muitas vielas e escadarias, em meio a uma massa de edificações de três andares em média. Com o crescimento do Rio de Janeiro, a localização se tornou estratégica devido à boa conexão tanto com a área consolidada quanto com a zona de expansão.

Como a maioria das favelas, a Rocinha começou como uma zona livre para os sobreviventes. Os residentes são majoritariamente migrantes dispostos a fazer a vida na cidade, mas sem condições de entrar no mercado formal de habitação. Esta ocupação resultou em uma área extremamente densa, com saneamento inadequado e outros serviços públicos inexistentes. A precariedade do esgotamento sanitário e do sistema de coleta de lixo é visível nas ruas e becos, onde são frequentes lixões e valas de dejetos a céu aberto. A insalubridade e a pobreza são marcantes. Ao mesmo tempo, a dinâmica nas ruas da Rocinha é expressiva, divertida e quente. A vitalidade da Rocinha autoconstruída e autogovernada, que poderia ter sido idealizada por teorias urbanísticas recentes, nasceu da necessidade.

A VIDA NAS LADEIRAS

Diante de uma densidade estimada em 700 habitantes por hectare e da ausência de regulação que orientasse a construção das novas residências, coube aos moradores investir o necessário para viabilizar suas habitações. Ao longo do tempo, com o crescimento das famílias e o aumento da riqueza, as casas evoluíram em tamanho e qualidade. No lugar de qualquer norma pública, as possibilidades e o gosto pessoal de cada residente determinaram a aparência dos imóveis. Ao longo das décadas, a Rocinha tornou-se um bairro. O relevo naturalmente montanhoso da área contribuiu para uma tipologia urbana aderente à escala humana. Há escassez de espaços livres, que estão localizados principalmente nas poucas vias centrais que datam do loteamento original de 1929. Estas vias centrais operam como canais de fluxo, interligadas por centenas de trilhas estreitas. É nesta rede de conexões que se dá o convívio social.

A cultura brasileira é alegre. É clichê, mas é verdade. E se verifica na força das expressões multiculturais e artísticas como a música, a dança, as brincadeiras e a espontaneidade. Reuniões em esquinas, crianças brincando na rua e festas com música nas praças são a expressão da vitalidade urbana. Assim é a vida na Rocinha. As pessoas têm seu espaço privado reduzido e compartilham intensamente o pouco espaço público disponível.

Além da reduzida área privada por habitante, há outros problemas socioeconômicos que se traduzem em vantagem urbanística: em vista da precariedade da infraestrutura das ruas e dos baixos rendimentos dos residentes, o carro não é um meio de transporte representativo na Rocinha. A maioria das pessoas caminha ou se desloca por ônibus, vans ou táxis.

As atividades comerciais e culturais intensas e diversificadas seguem a lógica do atendimento às demandas locais. Em menos de um quilômetro, é possível fazer compras, consertar uma motocicleta, encontrar uma barbearia, comprar comida, alugar um filme, ir à igreja ou ao ginásio. Nenhum desses estabelecimentos tem fachada maior do que 8 metros. Alguns deles têm apenas 1 metro. Comércio e serviços funcionam misturados com as habitações, que ocupam principalmente os andares superiores das edificações. Às 18 horas, as ruas do bairro podem ser confundidas com corredores de shopping centers nos dias antes do Natal! É neste espaço que velhos amigos se encontram e os problemas da comunidade são discutidos.

A Rocinha, como milhares de outras favelas em todo o mundo, revela por um lado condições miseráveis e desumanas. Por outro lado, é a expressão da vitalidade urbana através do convívio nas ruas. Esta é uma característica que não tem sido replicada nos atuais modelos de planejamento urbano brasileiros. Seria este o resultado de uma cidade compacta ou o efeito colateral da superlotação? A coexistência de atividades lúdicas e comerciais seria a expressão do uso misto do solo ou um completo caos? Poderíamos falar de fortes relações sociais ou de cooperação forçada? Os indicadores se equilibram em uma linha tênue.

Algumas lições podem ser apreendidas desta cidade informal e auto-organizada. Sob o ponto de vista do desenho urbano, a Rocinha confirma como uma escala humana, variedade tipológica, alta densidade, flexibilidade dos usos e pouca utilização do carro são fatores que contribuem para um espaço agradável. Considerando sua organização, ela também demonstra que as pessoas, em circunstâncias de dificuldade, são capazes de se organizar. A pouca regulamentação favorece a liberdade para estabelecer reuniões e práticas sociais, para empreender com base na demanda e para formar movimentos culturais de excelência, a exemplo do samba. Temas como identidade e solidariedade também emergem em um lugar onde os vizinhos se apoiam reciprocamente.

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A partir destas convicções, é possível atuar em incremento a esta rede coletiva, seja através de intervenções físicas, seja por meio de projetos sociais. A consideração de um quadro de auto-organização não deve ser apenas um conceito da moda, mas pode ser uma estratégia de planejamento integrada.

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